27.7.14

Blanche 55: Enfim, Tom!

Tom subiu inocentemente no arpejo manso das ferraduras, e na montanha, sem enganar os pesares, Nick defronta-se agora com a consequente complexidade abismal dalgum ato mais ousado. Metodicamente, baixa o resignado pedinchão olhar de cobiça.
Agir é tão árduo quanto torturar pedras em nuanças grisalhas, contudo sua força em desejar e fraqueza em resistir ao ser desejado expulsa qualquer pontinha de brio. Serrazinado com o inconfessável sonho de concubinagem, treme-se todo o interior, escoltando um perturbador olhar oblíquo.
Nick se apodera febrilmente de esperanças, numa satisfação violenta e picante. Recrudescendo em sua perseverança, ergue esforço inquebrantável com eterno ar de cobiça, possuindo Tom em avidez, tão apenas com os olhos compridinhos, nunca com as comichosas unhas.
Em tramontana, suplanta freneticamente meras torpezas carnais que tornam o sangue trescaldante, para obcecar e umectar o hipotecado espírito. 
Então,  em respiração convulsa, passeia a língua úmida e em brasa, deliciosamente pelo próprio antebraço, enquanto o venera ao longe com coração prenhe de desgostos e sobressaltos.
Desassombrada quase manhãzinha seguinte, com os miolos estorricados a marulhar em meditação, vai apeando-se da rede em estupor, lutando suplicantemente com o objeto querido de sua existência, na gula viçosa daquela flor noturna quase translúcida em tostada nudez.
Sente o trepar de um formigueiro assanhado coxas acima; todo ele a pedir seu homem, apertando os beicinhos, aborrecido. A espacejada e circunvagante coragem não vem. 
Tom todo é alheio absoluto àquele quase prazer amplo, sorvido sem respirar, de ente eleito para miminho ternurento... Tom é torrencialmente de Tom! E só.

9.7.14

Blanche 54: a caça de Nick

Notoriamente, a dupla Nick e Tom se amofinaram com a notícia da partida do indiozinho. Tom, bem a fundo, ansiava embrenhar-se no sombrio submundo de suas origens maternas. Nick, vocacionado à fruição estética, estimaria conviver alguns dias na reserva, sorvendo profundamente toda a milenar cultura ali impregnada.
Já no enregelante inverno, Nick, em desatinada concupiscência por Tom, ousou desacovardar-se e solicitou, em palavras constrangidas, uma gentiliza à Blanche: que ela descesse à civilização, sob pretexto de estrompamentos constantes. Toda uma semana na deleitável efervescência da pradaria, junto à Eric.
Tal ato, faz com que seja afreguesado por seu venerado amigo, procurando desengastalhar comprazeiramente o reticente relacionamento. E num voo à cabana velha, ajeita meia dúzia de livros e afofa uma almofada em chitão. Arrasta o caixote e escancara a porta, pedindo excelsante ar fresco.
Na ânsia por assenhorear-se da exuberância brutal do amado, o sangue latejava-lhe, rogando aquele homem gotejante em suor pela constante labutação. Supondo-se afrontado apenas pela implacável floresta, fica mais e mais possuído em ferrolhos de delírio e ardor pelo inocentezinho.
A espera infinita: cunha maltratando a fenda... um chá fumegante, as lisérgicas cascas das mini-bergamotas sobre o caixote. Um recender de melissa  bloqueando o raciocínio. A parca mobília em gritos, enquanto  a cruviana a chacoalhar a rede, vai fugindo pela janelinha aberta.
Chafurdando-se em fantasias de lubricidade, que excessivamente lhe assanhavam o desejo da carne, num fremir que punha e dispunha engenhosamente da imagem poética do outro, em devaneios, apalpando-lhe a saborosa quentura do corpo, sugando-lhe o vigoroso néctar dos lábios, sentindo-o na rede, pleno e nu.
Os cães a latir no ar seco e uma teia inacabada refrata a luz. Uma bigorna a esbofetear-lhe o crânio enquanto o coração desce ao estômago; cavalo com bilhão de patas a cavocar vigorosamente o trâmite rumo à montanha. Pujança, moço! Esturra num escandaloso monólogo. 
Mais tarde, defrontando-se com a renhida realidade, a contragosto se encontra numa miuçalha e logo se vê instintivamente mareado pela possibilidade de lapsos e perjuros, dissipando em rezingas a regalia de arquitetar seu ansiado par naquele extenso chão vazio. Vê-se sorrindo sem rir, entre prantos e rejúbilos.

2.7.14

Blanche 53: Ele se foi...

Numa prosaica manhã outonal, assim nos sopetões da vida, um trio indígena, exibindo fumaças de nobreza, aguardava na cabeceira da mata. Com estridentes e pressurosos estalidos entreconfundidos, clamavam pelo garoto, que encantonado, se agitou em sobressalto pelos jorros de luz solar.
Era a somenos e descrente semana de Scott, o subserviente e enfarruscado "esposo" de Blanche. Os insondáveis mistérios que os envolvem, voltarão a reinar escancarados na solidão da alcoviteira montanha.
Ela voou até a tulha, o indiozinho excogitava apressado; um ardoroso olhar de filho que ama sem querer, tão comprido e pontiagudo, lancetou-a em mil palavras mudas. Qualquer som é contra producente...
Aquiescendo, azafamou-se à cabana de troncos, colheu vitualha de matula e acrescentou um tapetinho rajado, no formato circular. Configurava uma mandala em tons degradê puxados do branco ao centro, até o negro arrematando as bordas, sem nunca deslindar-se. 
Entregou-lhe a simbólica peça, banhada em bagas de lágrimas, orientando que o tivesse sempre... aquele delicado desenho circular simbolizava a perfeição daquela convivência trimestral, o infinito daquelas trocas culturais e a transcendência daquela amizade rudimentar.
Numa assestada reverência, o menino puramente sensível fez alusão ao querer paternal que dedicava a Tom e Nick, entregando às trêmulas mãozinhas de Blanche duas tornozeleiras fertilmente trabalhadas. A ela, devotou uma mínima estatueta de suçuarana, entalhada minuciosamente em madeira nobre.
Sem sofrear, picou a ressequida trilha num tropel triplo com apoio de cajado, carregando a matula, a tatuagem escarificada, as escanhoadas vestes rústicas e o tapete penso a um ombro. Carregava uma história de cooperação, de compadecimento, de humanidade pura.
A certa altura, prestes a embrenhar-se entre as enralecidas pedras, retrovertou lentamente o corpo num aceno tão afilado e pusilânime, entretanto tão pleno de efervescente comoção. A anfitriã abanou-lhe o avental, e a brisa, abelhuda que só, encarregou-se de agitá-lo compassadamente, enquanto o vulto sumia.
Reaparecendo em verossimilhança bem acima, próximo aos altivos acompanhantes, formou um escultural quarteto laureado pelo contrário sol matinal, já canículo. Espoucaram-se no viageiro batido da mata, restando apenas o fantasmal silêncio e funil de escuridão por detrás.
Cá abaixo, em meio a raios solares ainda mortiços, tingindo de ouro velho o curral, num relance, Blanche voltou-se de soslaio a seu outro desacertado garoto. Desenvolto, ordenhava as cabritas displicentemente, dirigindo-lhes chistes ingênuos e insossos.
Quebrou o  turvo mutismo do dia cascateando em voz lacrimosa e robustecendo de arrosto um possível presságio desdito. Seus olhos saltaram indagatórios pelo vão da janela que dava ao velado. A sagacidade e argúcia do  assenhorado indiozinho se encarregará de cuidá-lo no recôndito ermo.