27.12.13

Blanche 22: A contagem do tempo, que escorre

Não há feriados em Riolama, senão o santo dia de reza. Mais que um direito, o ócio domingueiro matutino, se faz ônus religioso, para orar e catequizar compulsoriamente, mesmo que em convenção domiciliar. 
Então os entes masculinos, sendo procuradores de família, devem apresentar-se prontamente à capela, assim que anunciado o recrutamento pelo aferrenhado badalo de Karly, ao dilúculo. 
Numa rotina desconstruída, tentar ignorar o clamor às orações, ou realizar utilitaridades à aurora domingueira, é falta grave, censurada com carrancas espinescentes pelos silentes convíveres eclesiásticos. 
Aos desfavorecidos infantes não se permite brincar, sorrir, correr. Não se penteia o cabelo, nem dialoga-se displicentemente, apenas as atividades inevitáveis são executadas metodicamente na “Manhã do Senhor”. Sol em zênite, cessam enfim as rigorosas restrições. 
O badalar do sino alicerça teimosamente a alvorada do domingo, ao passo que o tinido dos tambores na bosquímana reserva indígena, percutem a transcendente mudança lunar, após o crepúsculo. 
Não se orça as horas com o sinete da capela, irrelevantes neste ermo recanto. Tem-se comumente sol e lua para marcação temporal. E num sincretismo, tem-se o auspício do deus branco correlato aos casmurros deuses indígenas. 
Blanche aprendeu a registrar as semanas, acompanhando os quartos de lua. Cordões confeccionados de forma especial, presos a um toco de galho, alferem nozinhos a cada dia que chega, e outros maiores para mudança lunar. Um nó peculiar é adicionado à chegada da cultuada lua cheia. 
Neste calendário lunar, Blanche computa os vinte e um dias em que suas introspectivas galinhas chocam os ovos, as vinte e uma semanas da gestação das cabras, e o tempo variável de germinação das sementes.
O tempo cíclico, em Riolama, onde as estações demarcam época de colheitas ou privações, prescinde o tempo linear, que escoa pouco perceptível e regula o tempo subjetivo, onde o inverno austero aparenta um tempo infinitamente maior que o verão abundante.
Noutro calendário (secreto), Blanche tece com nozinhos a presença de Eric e seu possível retorno. Em momentos de melancolia, recorre a ele como ponto de comovente esperança, apaziguando o labaredado arrebatamento íntimo.
Seus poucos eus dialogam absortos antevendo as emoções, como uma levíssima cortina esvoejante a gotejar perfume silvestre. Feito uma tela desertando a moldura, voam até Eric possuidor.

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