27.12.13

Blanche 21: A complexidade do sino

No lado oposto da estrada, em Riolama, de costas à falda íngreme, a caiada capela do vilarejo abre-se em ternurinhas, ocupando parte do terreno ondulante, com arvorezinhas sombreadeiras.
As grandes portas, à frente e aos fundos, trazem refrescante corrente dum arzinho filtrado. O anexo feminino à direita, menor e mais baixo, possui diversas janelas em toda a lateral, onde as catitas garotas se debruçam aguardando o início da celebração.
O campanário, sobrelevado ao casario, numa pintura azul acinzentado, copiando portas e janelas, comporta o sintetizado sino, num bronzeado reluzente, enquanto mira todo o trecho do rio cioso, tentando ninar as mágoas do vale.
O dobrar do sino envia deliberadamente advertências obtusas a toda a plaga. Num ato persecutório, reporta melancólico, ocorrências maniqueístas, num hino agregador. 
São lamentosos repiques para devastadores incêndios, terríveis assassinatos,  poderosas enchentes,  corriqueiros falecimentos naturais, acidentes assustadores e outras tormentas.
E bimbalhando festivo, também reporta singelos nascimentos, festas, celebrações religiosas, reuniões políticas que requeiram a assiduidade dos “homens bons do lugar” para auxílio ou tomada de decisões. 
Seu tintinabular melódico ou lastimoso, vai se modificando minuciosamente conforme o flagelo, em colisões espaçadas, num código em lassidão, para cada categoria catastrófica ou solene. 
Destarte, o vibrante grito do sino entrecruza cada encosta, estremecendo os ouvidos e fremindo corações, golpeado pelo  minucioso sacristão Karly, em movimentos oscilatórios. 
Ao alvorecer de domingo, seu pendulear é absorto e ranzinza, em chamativa ao rebanho, anunciando que se faz um letárgico dia sacro ou “dia dos pecados”. 
O badalo somente alinda propedeuticamente as tardes de sábado, quando há esporádicos matrimônios. Alia-se aos perfumosos arranjos de flores silvestres e os coloridos laços de fitas conferindo às noivas uma aura peculiar.
Ressoa num plêiade de alegrias e brincadeiras, conquanto por vezes, mimético em açucenas e narcisos, traz tristezas enviesadas de um enlace forçosamente arranjado. 
Blanche, alongada na montanha dos caprinos, sente seu reverberante percurtir em serpentina, na esparsa longuidão da reentrância. É um intenso quebrar de rotinas e eminente despertar de sensações.
Neste instante, está em pendularidade pela lúgubre noiva Ariadne. Seu coração (de Blanche) se estilhaça em melancolia ternurenta no isolamento da montanha, em estima à dileta amiga. 
Nick cantará louvores na cerimônia. Blanche não estará presente, contudo teceu coesivamente um tapete oval, como presente ao enlace.
Abundante em fruição, apascenta a alma da amiga em ruidosas orações indígenas. O choro se abre doído por Ariadne, com pelotinhas de lágrimas tentando forçar festa ao saltitarem rosto abaixo.

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