25.12.13

Blanche 14: Culto religioso

O sol de arrebol invade o recinto pelas frestas, despistando as movediças nuvens peroladas. No salão, mesa posta com chá de alfavaca borbulhante, pinhões cozidos e bananas da terra assadas.
Ovinos por ordenhar, equinos a arrear, porcos e galinhas a nutrir, antes de todos seguirem à celebração religiosa no vilarejo. O coração da jovem cabeceia em ansiedade. 
Blanche, recostada ao portal num só pé, alimenta curiosidade pela gravidez adiantada da cunhada; conquanto enrubescida e pouco contrançada, nada questiona, nem a toca, siderada pelo tabu. Um novo bebê na família induz uma delícia retorcida. 
Sendo a generatividade ligada ao ato sexual, não se fala sobre o enxovalzinho, sobre a dissimulada barriga por onde seu olhar navega absorto, nem sobre a (perigosa) parição, mesmo que em fala enrodilhada.
Colen, sempre com os beiços arregaçados, não conta nesta segregação, pois entre ela e Sara não há o mínimo sigilo, estão amalgamadas. O parto rústico ficará a critério e responsabilidade somente de ambas. 
Resignada, Blanche entretece as pontas do avental nos dedos indicadores, se contentando com o posto de segunda amiga, sendo apenas a visitante querida e aguardada, todavia não tão íntima.
O apego entre Sara e Colen é carne viva e todo hermético, esta é o esteio daquela. Bobagem tentar ler com esforço míope o pacto ternural traçado nas entrelinhas.
Enquanto a bugrezinha veste seu único vestido à altura da celebração, as amigas seguem à cabana de Sara, vão aprontar as esguias crianças, empanadas pelos dançantes fachos de sol.
Serão duas carroças transbordantes: Na primeira, os caseiros com a família de Sara; em seguida, Blanche com os seus, acocheirados pelo prestativo e nefelibato Tom, de voz velada. 
Os raios dourados chuparam o orvalho e tingem a falda desbotada pela estação seca. Costumeiramente, os habitantes levam seu almoço para o piquenique na Vila, ancorados em mútua hospitalidade. As toalhas abraçam veladamente a relva, numa tímida carícia. 
Temos os pinhões que sobraram, ovos cozidos, queijo ervado e frutas da estação. Blanche, toda nostálgica, fará esta refeição rápida com sua família de origem. Enquanto devaneia, o restinho de cruviana lhe alvoroça os cabelos.
No caminho que segue a nordeste, somente as duas carroças brutescas, não há outros habitadores devido à cadeia montanhosa a sudoeste. Os homens vão acomodados à frente, na boleia, enquanto a menina se recosta lateralmente no piso do carroção.
Eric, quase anestesiado, morde o cantinho do lábio inferior enquanto seu olhar amadurecido penetra Blanche às migalhas, quando lhe vira sorrateiramente a cabeça, nos solavancos das curvas.
Um arrepio percorre longitudinalmente o corpo da garota. As mãos espalmadas junto ao chão de tábuas ondulam acompanhando o curso da estrada. Nenhum som, sôfrego que seja. Qualquer coisa de secreto parece lhes invadir as almas, no toque negado.
Blanche sorve o odor lisérgico do amado através da cortina de poeira, que dança, afogando o quase casal, e desmaia no vento que lambe a silhueta de Eric à frente. Presença pura atiçando a tentação de enovelá-lo.
Aproximando-se do abrupto e trovejante “Rio orgástico”, que galopa por todo o vale, começam as encruzilhadas de propriedades a leste, desembocando nele. A terceira é de Rob, e Blanche indaga se o pai já seguiu. Pela assinatura marcada na terra, sim. 
É o acontecimento a reunião domingueira e obrigatória, junto à capela. O Reverendo Albert alinhava toda a região: Em meio à semana, cavalga as propriedades arrebanhando, aconselhando, politizando.
Seu papel preponderante faz dele O líder. Detém poderes junto ao governo e é apaziguador dos constantes conflitos. Raspa com força o orgulho enredemoinhado nas mentes perdidas.
Charlote, sua intelectual e grisalha esposa, arquiva com lógica própria, numa “Biblioteca” no anexo da capela, toda a documentação referente ao vilarejo e seus habitantes, para que as palavras nunca entrem em divórcio com o pensamento.
Na predominância de lares iletrados não faz sentido armazenar papéis ilegíveis, então quando necessitam de burocracia é à exclusiva dama escriba que recorrem, confiando-lhe cegamente. 

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